Algumas pessoas acham que eu sou totalmente contra a maternidade, praticamente uma assassina de bebezinhos.. Talvez as vezes minhas palavras sejam duras demais, ou talvez as pessoas que sejam hipócritas demais, vá saber.. Enfim, como já disse em outros posts, não tenho nada contra a maternidade enquanto escolha da mulher, enquanto algo saudável, acho sim a maternidade algo nosso, algo da mulher, algo realmente maravilhoso. O que eu não concordo e não aceito são os tabus, generalizações, mitos em torno da maternidade. Não acho que a maternidade é a melhor fase da vida de TODA a mulher, não acho que TODA mãe ama seu filho, não concordo com esses clichês básicos. Creio que a maternidade pode ser a melhor fase ou a pior fase da vida de uma mulher, ou até somente uma fase.
Mas hoje eu quero falar sobre o incentivo à anulação total da mulher. Eu acredito verdadeiramente, que a toda hora a sociedade tenta prender a mulher, amarra-la, amordaça-la, e esse processo se manifesta na questão da maternidade. Você já deve ter ouvido a frase: ser mãe é padecer no paraíso.. Você já deve ter visto a verdadeira idolatria que alguns setores fazem para mulher que por uma série de motivos se anula totalmente em prol dos filhos, em prol da família.
Algum tempo atrás eu tive a oportunidade de conhecer um projeto que foi desenvolvido na APAE para as mães das crianças que frequentavam a instituição. A equipe da entidade notou o quanto aquelas mães focavam as 24 horas do seu dia nos filhos, e durante as sessões de atendimento, quando estavam distantes dos filhos, ficavam sentadas, inertes, porque não tinham absolutamente nada para fazer. O filho havia se tornado totalmente a sua vida, e esse processo se tornou mecânico, foi esquecido que essa mãe, é também uma mulher, um ser humano que também tem seus desejos, sofrimentos, dores, alegrias.
Esse projeto ofereceu uma série de atividades para as mulheres, enquanto os filhos estavam em atendimento:Yoga, ouvir musica, pintura, reciclagem, artesanato, cuidados com a pele, cabelo, a mulher podia escolher a atividade que gostaria de desenvolver. E um tempo depois, do projeto em desenvolvimento, era notório a mudança nessas mulheres, como a auto-estima, a energia mudou, inclusive a melhora na relação mãe e filho que ganhou vigor novo. Independente da situação, mães também são mulheres, e mulher é gente também.
Mulheres em atividades enquanto seus filhos recebem atendimento na APAE |
A sociedade incentiva "mães coragem", se a mãe tiver uma aparência cansada, fatigada, esta será uma boa mãe. Se você ver uma mulher que tem filhos, trabalha, tem uma série de outras atividades, esta será imediatamente questionada e julgada, pois não deve estar dando atenção suficiente ao filho, as pessoas não conhecem a sua rotina, a qualidade do tempo entre pais e filhos, mas ela será julgada.
A mídia é também outro carrasco, que muitas vezes utiliza a dor e sofrimento de muitas mulheres, para mostrar uma face de "mãe coragem midiatica", lucrar e vender encima do sofrimento. Lembro-me anos atrás do caso da Menina Marcela, uma menina que nasceu com um tipo de anencefalia (não era total), sobreviveu alguns meses, tendo todo o carinho, amor e suporte 24 horas de sua mãe. Dona Cacilda escolheu ter a filha e cuidar da pequena durante seu curto tempo de vida. Tenho toda admiração por esta mulher, uma mulher muito forte, determinada, que decidiu estar ali e foi até o fim. A midia a transformou em um ser sobrenatural assexuado e vendeu sua historia. Envolta em uma trama, expôs a vida da família, e as imagens da menina para vender jornal para curiosos. Aqui lembro-me da igreja católica (instituição esta que a cada dia tenho menos respeito) utilizando a historia desta mulher e sua filha para a campanha contra a descriminalização do aborto, lembro-me da exposição da dor desta mulher e da própria filha, utilizando toda a historia de vida para dizer que todas as mulheres deveriam ser assim, as que não eram, eram pecadoras condenáveis.
Dona Cacilda |
Você acha que algum desses grupos enxergou a menina Marcela e sua brava mãe? Você acha que eles realmente se importaram com a historia das duas, com os sentimentos, às respeitaram? Não. Pelo menos a grande maioria destas pessoas que tinham interesses em jogo neste caso, usaram somente para beneficio próprio.
A maternidade na nossa sociedade infelizmente segue sendo moeda, obrigação, saída, fardo para as mulheres. Nós temos contextos fortemente enraizados que autenticam e disseminam que quanto mais a mulher sofre, "mais mãe" ela é. Se ela chegar ao ponto da anulação total,então ela chegou no ápice do exercer da maternidade. No fundo de tudo isso, segue aquilo que trazemos marcado em nossos corpos, o valor da mulher esta nos papéis legitimados que ela exerce. É a mãe "virgem maria", é a mulher santificada, e voltamos para a dicotomia da nossa sociedade: mulher santa ou puta.
Em alguns contextos temos meninas que vêem na maternidade a porta para sua autonomia, a partir do momento que ela gera filhos, ela será adulta, estará numa classe superior, terá alguns benefícios, se livrará de algumas amarras, sem perceber que esta entrando em novas amarras. E falo aqui de meninas muito jovens, este ano conheci meninas incríveis que vivem nessa situação. Uma das meninas que conheci engravidou para poder ter um quarto separado na casa e adquirir o status de adulta, outra porque queria formar uma família logo, a outra para se legitimar perante seu circulo social.
Esse fenómeno vemos também em mulheres adultas. Não são poucas as mulheres com sérios problemas de autoestima, insegurança, frustrações diversas na vida pessoal e profissional, que vêm na maternidade a solução para seus problemas. O gerar um filho instantaneamente dará para ela um reconhecimento do seu circulo social, ela pode sufocar suas frustrações, traumas, medos, no dedicar-se a outra pessoa. Eu não considero isso um processo saudável. Até porque isso costuma gerar mulheres que passam a vida inteira abnegadas, colecionando amarguras sufocadas, pois ela jamais pode conversar sobre seus sentimentos. Não é projetando em outro ser nossas expectativas, frustrações, não é usando um slogan de abnegação para não enxergarmos nossas misérias que vamos resolver alguma coisa.
Maternidade deve ser um processo saudável para a mulher, escolhido, desejado, planejado, se não foi planejado, pelo menos aceito. Incentivar a anulação total da mulher, exaltar o sentimento de abnegação, obrigar a mulher a suportar todas as dificuldades do seu dia sozinha, pois quanto mais problemas melhor, é cruel, é desumano. E temos inúmeras mulheres acreditando que ser mãe é sofrer. Que é essa a suprema missão. E eu digo, não acredito que as pessoas nasçam para sofrer, não acredito na propaganda do sofrimento, não acredito na abnegação como prova de alguma coisa. Respeito as mulheres, e acho interessante a reflexão, a análise critica. Será que tem que ser assim?
Como já disse alguns posts atrás, espero que nós mulheres possamos vivenciar a maternidade de forma saudável, madura. Que ela com todo o cargo de responsabilidade por educar uma criança, com todos os problemas, ainda possa ser prazerosa, e que as mulheres possam conhecer e escolher. Conhecer-se e conhecer o seu redor, conhecer as construções sociais e culturais que existem sobre a capacidade reprodutiva da mulher, e que ela possa escolher livremente, a escolha só é totalmente liberta quando aliada ao conhecimento. Conhecer para decidir.
Que as mulheres que desejam ter e que tem filhos, possam desfrutar desse importante acontecimento de forma plena e sadia. Eu concordo com a Grande Simone de Beauvoir quando ela diz que a autonomia da mulher, a libertação da mulher, passa pela independência financeira, que as mulheres possam ser independentes financeiramente tendo ou não filhos, que possam conversar e contar com seus companheiros e companheiras, como parceiros, em uma relação sadia para ambos, sem posses, sem amarras.
No dia em que as escolhas forem respeitadas, onde uma mulher possa decidir ter ou não filhos, sem receber estigmas de parideira ou seca mal comida, esse será um dia muito legal!
Que sejamos libertas e possamos criticamente analisar a nossa situação, analisar nossas escolhas e descobrir o que foi minha escolha, ou o que foi pressão, o que foi construção de um papel que eu assumi como fuga, achando que era o único.
Que possamos viver plenamente! E sim, que sejamos família, em todas as suas formas, com toda a sua diversidade.